Por Sara Teotónio Dinis
O sr. S. perdeu a esposa em Novembro do ano passado. Viveram cinquenta e sete anos em comunhão, tiveram filhos, netos e bisnetos, eram felizes e davam-se muito bem entre si e com toda a descendência. Mas a morte decidiu levar a mulher do sr. S. em primeiro lugar e sem pré-aviso…
O sr. S. entrou em depressão e duas das filhas também. Está actualmente a viver sozinho na casa que partilhava com a esposa, mas as filhas revezam-se para o ir visitar e lhe fazer o almoço todos os dias.
Passaram-se já sete meses desde o sucedido. O sr. S. chora de cada vez que se lhe pergunta se se sente melhor. Vem sempre uma das filhas acompanhá-lo à consulta, e chora também. A médica diz:
— Então? Já se passaram sete meses… Tem de começar a reagir…
— Eu sei, sr.ª dr.ª… Mas ela faz-me tanta falta…
— A ele e a nós… Éramos muito amigos… — remata a filha.
Este senhor come bem e dorme bem. Não evita estar com os seus, brinca com os netos, e vai fazendo as suas coisas por casa. Segundo as filhas, não anda sempre a chorar, mas não há um dia que passe sem que recorde a esposa e fale dela com carinho e saudade.
A sr.ª A. sofreu interrupção médica da gravidez por malformação fetal há cerca de um ano. Já estava com 23 semanas de gestação, quando foi detectada a malformação cardíaca ao bebé tão aguardado e já tão amado. Um ano volvido, continua a receber acompanhamento duma psicóloga, e na consulta «de rotina» a médica pergunta:
— Então, já está a considerar engravidar de novo?
— Não, ainda não…
— Então porquê? Não há vontade?
— Vontade, há… Mas, para já, esta dor ainda cá está, ainda que tenha acalmado… E depois, sei que, quando voltar a engravidar, não vou ficar bem… Vou andar sempre cheia de medo e vou sofrer muito… Esta gravidez que tive foi muito traumatizante.
— Já vi que a situação do ano passado ainda não foi ultrapassada…
Esta mulher trabalha, dorme, come, mantém a relação estável com o companheiro. E, acima de tudo, é capaz de sorrir…
Pergunto-me… Há tempos estipulados para sofrer? Não podem as pessoas ter o seu tempo de recuperação? A classificação diz que os lutos são patológicos após o ano… Mas qual é o homem que ultrapassa aos oitenta anos a perda da mulher com quem viveu os últimos cinquenta e sete? E qual é a mulher que não vai ter um medo de morte quando engravidar após ter sofrido um aborto?
Será que já não se pode sofrer?
Será que é preciso assim tanta pressa para enxugar as lágrimas?
Tanta pressa não sei para quê…
Um comentário a “A pressa”
Tão verdade, Sara! Que CID10 ou que raio de classificação podem atestar a legitimidade do sofrimento?
Tão verdade…