Por Gustavo Martins-Coelho
Na altura em que o Excel produzia resultados errados [1], que eram usados para justificar o aperto do cinto, um outro estudo circulou [2], que apresentava um gráfico muito bonito, relacionando a despesa pública com o crescimento económico (vide página 4 [2]). A leitura do gráfico parece linear e simples: quanto maior for o peso do sector não competitivo dum dado país, menor será o crescimento económico desse país [3].
Há, contudo, um problema com esta conclusão: o gráfico apenas demonstra uma correlação — o que está longe, cientificamente, de provar uma relação de causalidade. Por outras palavras: a leitura do gráfico tanto pode servir para afirmar que a presença do Estado é um peso morto na economia, como para demonstrar que, quando a coisa corre mal, o Estado é chamado a intervir, aumentando a despesa. Males da estatística…
É certo que o gráfico analisa os países da OCDE [4] durante 37 anos: multiplicando o número de países pelo número de anos, obtêm-se muitas observações. Mas a quantidade de observações permite meramente validar a consistência da correlação, permitindo afirmar, com alguma segurança, que essa associação é real e não um produto fortuito do acaso. Mas, mais uma vez, não nos diz nada sobre a existência duma real relação de causalidade, ou mesmo do sentido em que essa relação se estabelece.
Além disso, acresce um outro detalhe: o gráfico, tal como apresentado no estudo [2], representa a sua variável independente (a despesa pública) como categórica [5]. Mas, na realidade, a despesa pública é uma variável contínua [5], pelo que um gráfico de dispersão seria mais apropriado, nesta análise. Não tendo os autores do estudo optado por essa possibilidade, fi-lo eu, portanto.
Para que queria eu um gráfico de dispersão? Normalmente, há duas razões para abdicar da informação contida numa variável contínua e classificá-la em categorias: ou para simplificar a análise e a interpretação dos dados, ou para tornar visíveis associações que, doutra forma, seriam pouco claras, ou irrelevantes. No caso em apreço, ainda que o gráfico apresentado na página 4 do estudo [2] seja muito bonito e colorido, não escamoteia o facto de que o único motivo pelo qual obtém um coeficiente de determinação [6] de 0,95 é porque agrupou os dados em categorias e, com isso, perdeu informação — informação essa que, quando recuperada, mostra que variabilidade é muito maior do que o gráfico original aparenta e a relação entre as duas variáveis é, afinal, muito mais fraca; o que só pode significar que há uma quantidade enorme doutros factores a ter em conta e o peso do Estado está longe de ser, até ver, o dominante [a]. Então, o que preferir: um coeficiente de determinação de 0,95 com base em valores agregados, ou um coeficiente de determinação de 0,09, com base em toda a informação disponível? O primeiro fortalece o argumento que se pretende apresentar, mas o segundo talvez seja mais honesto do ponto de vista intelectual…
Mas, como eu disse acima, não há sequer uma boa razão, além da ideológica, para olhar para o gráfico desta forma e extrair a conclusão, proposta pelos autores, de que o aumento da despesa pública reduz o crescimento económico. Na verdade, é igualmente válido olhar antes para este gráfico:
Os dados são os mesmos, mas, simplesmente por trocar as abcissas com as ordenadas, é possível antes inferir que é o fraco crescimento económico que impele o Estado a gastar mais. Talvez o abrandamento económico determine maiores taxas de desemprego, o que aumenta a despesa com prestações sociais. Ou talvez o Estado procure ser o motor da economia, em tempos de crise, aumentando o investimento. Não sei qual das hipóteses é verdadeira: se é o Estado que cerceia o crescimento económico com o seu consumo, se é o baixo crescimento económico que leva o Estado a gastar mais. O que sei é que, perante estes dados, sem outros estudos mais aprofundados, qualquer interpretação que se pretenda definitiva é abusiva. Tudo o que se pode afirmar, com base nos dados, é, existe uma associação fraca, de sentido negativo, entre a despesa pública e o crescimento económico. Qual é a causa e qual é a consequência, não é possível discernir.
Aliás, até pode nem haver qualquer relação e estarmos, simplesmente, para uma associação estatística fortuita. Correlação não é causalidade. Prova disso é que existe uma correlação entre o tamanho do órgão sexual masculino e o crescimento económico: onde o tamanho do órgão é maior, o crescimento económico é menor [6]. Alguém acredita que uma anatomia mais dotada provoca crises económicas?
Notas:
a: Digo «até ver», porque, teoricamente, poderá não ser possível obter um coeficiente de determinação superior a 0,09 para qualquer outra variável estudada e, nesse caso, pese embora a irrelevância da relação aqui estimada, será, ainda assim, a «dominante».
4 comentários a “O peso do Estado e o crescimento económico: correlação não é causalidade”
[…] de, na passada Quarta-feira [1], ter procurado explicar por que a correlação encontrada entre a despesa pública e o crescimento […]
[…] Gustavo [1, 2, 3, 4, 5, 6] trouxe-nos recentemente dois exemplos [7, 8] de como dados estatísticos são interpretados arbitrariamente para justificar determinadas […]
[…] análise dos dados, é importante notar duas coisas: correlação não é causalidade [3]; e a variação na percentagem de alunos que frequenta escolas públicas explica muito pouco da […]
[…] análise dos dados, é importante notar duas coisas: correlação não é causalidade [3]; e a variação na percentagem de alunos que frequenta escolas públicas explica muito pouco da […]