Por Gustavo Martins-Coelho
Poderia acreditar que fazer duas vezes figura de urso no mesmo dia é demais. Mas a experiência diz-me que pode acontecer.
Aconteceu-me.
Esta é uma história antiga; mas não deixa de dar uma boa facécia. Além do mais, tem a vantagem de ser verdadeira, ao contrário de muito do que escrevo.
Pus a minha agenda electrónica a carregar numa das tomadas do ginásio. Foi a primeira agenda electrónica que tive, um Palmtop com o ecrã a preto e branco e uma canetinha de plástico — uma coisa pré-histórica, portanto. Esta é uma história antiga, já disse!
Apesar de ser a preto e branco, a agenda dava-me imenso jeito e gostava muito dela. Ainda hoje, com tecnologia muito mais moderna, sinto a falta dalgumas funções que essa agenda electrónica tinha — por exemplo, o talento com que reconhecia a minha caligrafia. Se bem que o Swiftkey [1] é uma bênção.
Mas voltemos ao ginásio: quando voltei para buscar a agenda, dei com ela desligada da tomada, por carregar, e o telemóvel duma gorda atarracada a carregar onde estivera a minha agenda. Sua excelência precisou de carregar o telemóvel e não esteve com meias medidas. Ainda por cima, era gorda e atarracada. A estética é importante e nem sempre é politicamente correcta.
Às vezes, pergunto-me por que é que estas coisas me acontecem. Os meus esforços para ser boa pessoa devem ser largamente anulados por todas as minhas más acções e, por isso, o universo reencontra o seu equilíbrio desta forma. Por exemplo, talvez, se eu não usasse os adjectivos «gorda» e «atarracada», a bateria da minha agenda electrónica estivesse carregada.
Ou se não tivesse aquilo a que alguns chamam ímpeto justiceiro. Mas por que é que hei-de abdicar de viver, para que outros vivam? Não pretendo dar lições a quem quer que seja. Pretendo somente não ser comido por lorpa.