Por Armèn Hakhverdian (Stuk Rood Vlees, 8.IV.2013) [a]
Margaret Thatcher foi um dos políticos mais emblemáticos do século XX. Esta semana, foi noticiada a sua morte aos oitenta e sete anos de idade, devido a um acidente vascular cerebral. De imediato irrompeu a discussão sobre o seu legado político, mas a realidade é que tal discussão já vinha a ter lugar há anos. Na minha opinião, qualquer discussão sobre esse legado começa e termina com o gráfico a seguir:
«Stop Britain going red»
Os rendimentos mais altos e mais baixos distanciaram-se fortemente entre si num curto espaço de tempo durante o governo de Thatcher. No momento da sua tomada de posse, em 1979, o Reino Unido pertencia ao grupo das sociedades democráticas mais igualitárias do mundo no que diz respeito à igualdade económica (medida acima através do bem conhecido coeficiente de Gini [2]). O Thatcherismo mudou isso para sempre [3]. A privatização dos serviços públicos, a desregulamentação do sector financeiro, o enfraquecimento dos sindicatos, a redução da inflação à custa do desemprego elevado [4]; tudo isto são medidas que os britânicos ainda hoje reconhecem (para rever momentos lendários de Thatcher na comunicação social a propósito da sua política económica: [5, 6]). Thatcher nunca fez segredo a propósito dos seus planos de mudar radicalmente a sociedade britânica. Na qualidade de Leader of the Opposition, afirmou em 1977 que a sua tarefa era «to stop Britain going red». Após a vitória eleitoral de 1979, Thatcher disse:
— We have to move this country in a new direction, to change the way we look at things, to create a wholly new attitude of mind.
Em 1984, quando a sua política económica sofreu um forte impulso, Thatcher disse:
— I came to office with one deliberate intent: to change Britain from a dependent to a self-reliant society — from a give-it-to-me, to a do-it-yourself nation. A get-up-and-go, instead of a sit-back-and-wait-for-it Britain.
Política nos extremos
No entanto, como é possível que um líder democraticamente eleito possa afirmar tais pontos de vista radicais, executá-los e conseguir ser reeleito duas vezes? Na minha opinião, tal facto é o resultado da combinação entre a polarização política extrema dos anos oitenta e o efeito perverso do sistema eleitoral britânico [7]. Em primeiro lugar, veja-se na figura abaixo a posição ideológica de Trabalhistas e de Conservadores com base na análise de conteúdo dos seus programas partidários.
Valores elevados na figura correspondem a posições de direita no programa partidário; valores baixos a posições de esquerda (para mais informações sobre a metodologia: [8, 9]). Fica claro que tanto os Trabalhistas como os Conservadores mudaram várias vezes de rumo durante o período pós-guerra, mas fica ainda mais claro que a luta ideológica atingiu o seu apogeu no início dos anos oitenta. Margaret Thatcher e o líder Trabalhista Michael Foot encontravam-se em posições diametralmente opostas. Isto conduziu a uma vitória retumbante de Thatcher em 1983 e o Partido Trabalhista conheceu a sua maior derrota desde 1918.
A figura acima mostra também muito bem como a Terceira Via de Tony Blair na década de noventa se aproximou do centro político. Embora esta série temporal termine em 2001, a minha expectativa é que, a partir de 2008, a crise económica tenha reforçado novamente os contrastes ideológicos.
A questão do sistema eleitoral
Temos então que o eleitorado viu, nos anos oitenta, os dois principais partidos políticos ocuparem os extremos do espectro político. Embora a própria opinião pública também balance para a frente e para trás como um pêndulo (não de forma aleatória, mas em resposta ao ambiente económico e político), esses movimentos são muito mais restritos do que as mudanças dos partidos políticos. Os anos setenta foram apelidados por Stuart Hall como «The Great Moving Right Show» [10]. A investigação sobre a opinião pública no Reino Unido mostra que, de facto, no momento da vitória de Thatcher nas eleições de 1979, o eleitorado se encontrava no seu ponto mais à direita de sempre (ver Figura 1 [11]). Para a maioria do público, porém, tanto os Trabalhistas como os Conservadores se tinham deslocado demasiado para os extremos do espectro político.
Todavia, num sistema eleitoral como o britânico, um dos dois principais partidos acaba sempre por conseguir formar governo (a situação actual de coligação é única por várias razões). Desta forma, o eleitorado acaba por se ver a braços com um partido no governo que, embora se encontre ideologicamente mais próximo do que o seu adversário mais directo, deixa ainda muito a desejar em termos de conteúdo ideológico. Um aspecto pouco referenciado dos mandatos de Thatcher é, pois, que estes lhe foram concedidos apesar dos seus ideais políticos radicais e não por causa destes.
O afastamento da opinião pública de Thatcher
Um dos aspectos mais fascinantes da opinião pública é o facto desta reagir aos eventos políticos como um «termostato» [12]. Apesar da noção generalizada de que os políticos conseguem apelar ao coração da opinião pública e manipulá-la a seu favor, de facto o oposto é que é verdadeiro. A opinião pública desloca-se precisamente na direcção oposta à política do governo: em direcção à direita durante os governos Trabalhistas e para a esquerda durante os Conservadores.
Esse movimento é claramente visível nos anos finais dos governos de Thatcher (ver novamente a Figura 1 [11]). A opinião pública afirmou-se contra a direcção ideológica dos Conservadores, embora estes ainda tenham ganho as eleições de 1992, de forma bastante inesperada. Depois de quatro derrotas eleitorais consecutivas e dezoito anos (!) na oposição, Tony Blair e a Terceira Via conseguiram finalmente um triunfo eleitoral para os Trabalhistas.
A ambição de Thatcher era tornar o Reino Unido «menos vermelho». Através das suas políticas económicas, sem dúvida que atingiu o seu objectivo. Porém, a ironia é que foi justamente esta ideologia radical que balançou o pêndulo da opinião pública de novo em direcção ao «vermelho». Foi devido à incompetência dos seus adversários políticos (os «Wilderness Years» [13] do Partido Trabalhista) que Thatcher conseguiu deixar a sua marca na sociedade britânica durante onze anos e meio, apesar do divórcio com a opinião pública.
Nota:
8 comentários a “O legado político de Margaret Thatcher”
[…] Já este ano, dei as boas-vindas às Crónicas Altitude do Hélder, abrindo as portas à colaboração, posteriormente, do Hugo e, mais recentemente, da Ana. Por sua vez, Margareth Thatcher teve direito ao primeiro artigo de autores estrangeiros, devidamente traduzido. […]
[…] A Rua da Constituição já tinha manifestado a sua preocupação com o transporte colectivo ao publicar o primeiro guia do metro do Porto para turista confuso. Também já publicou um artigo de autores estrangeiros, traduzido, a propósito do legado político de Margaret Thatcher. […]
[…] incipiente e a medo, incorporada no «Muro das Lamentações», desde que foi publicado um artigo a propósito da morte de Margareth Thatcher, que era a tradução do seu original, em Neerlandês. Aliás, este artigo foi transferido para a […]
[…] ou pior, dos favores (de uma empresa municipal) do partido, mas que estão sempre prontos a citar Thatcher sobre como o socialismo acaba quando acaba o dinheiro dos outros. São os mesmos que têm uma […]
[…] o artigo mais lido de sempre nas «Crónicas Altitude» foi «A carta»; «Noutras ruas» «O legado político de Margaret Thatcher»; nos «Dias passados» «Casamento. Paixão. Camafeu. Ponto.»; e no «Transporte humano» «O […]
[…] para de que História, eu a saiba propósito que da há morte uma de alma Margaret no Thatcher [2]; mundo de que Educação[3]; me de […]
[…] Dentre os artigos vindos de fora [17], continua a ser o legado político de Margareth Thatcher [18] o que suscitou mais interesse entre os leitores. Na área do transporte colectivo [19], o tema mais […]
[…] por dizer que, factualmente, a desigualdade no Reino Unido aumentou durante o seu governo [3]. Daí resulta a afirmação de que os ricos ficaram mais ricos e os pobres ficaram mais pobres, […]