Por Hugo Pinto de Abreu
É difícil entender Portugal sem a influência francesa nas suas mil manifestações históricas, desde a Armada dos Gascões [1], os cavaleiros de Borgonha da fundação da Nacionalidade e da Reconquista, Cluny, até às Revoluções Liberais, Invasões Francesas, etc., não esquecendo a predominância Francesa na (geo)política europeia desde a Idade Média até Sedan [2].
Também na legislação, a influência gaulesa foi notável: a Constituição, a Carta Constitucional, o Código Civil (apesar da posterior forte inspiração Germânica), o nosso sistema (pseudo-)semi-presidencialista, e, um exemplo porventura menos conhecido, o Imposto sobre o Valor Acrescentado [3].
Vale por isso a pena, na sequência da nossa discussão (vide Partes I [4], II [5] e III [6]), fazer uma pequena análise ao equivalente Francês do IRS, o Impôt sur le Revenus. A análise é tanto mais interessante quanto se trata de um imposto muito semelhante, mas com diferenças importantes precisamente no que toca ao tema da fiscalidade e família.
Na Parte II [5], falámos do Coeficiente Conjugal, que, em Portugal, como referimos, tem apenas em linha de conta o cônjuge, isto é, para a aplicação da taxa (progressiva) dividem-se os rendimentos por dois — no caso de um casal ou de união de facto que cumpra os critérios fiscais —, procedendo-se depois à subsequente multiplicação por dois para obtenção da matéria colectável.
Ao contrário de Portugal, em França os dependentes contribuem para o apuramento da taxa. Tal como em Portugal, o coeficiente de um casal é 2, acrescendo contudo 0,5 por cada filho. A partir do quarto filho — inclusive — o incremento adicional é de 1. Isto é, evidentemente, uma forma de apoio à natalidade e às famílias numerosas. Note-se, contudo, que existe uma limitação, um plafonamento: a poupança fiscal por cada meia unidade acrescida não pode exceder €2.000 [a] por meia unidade (i.e. é o que representa cada filho até ao terceiro, inclusive). Este limite tem vindo a descer; em 2012, para rendimentos de 2011, era de €2.336.
Tal limitação é também uma forma de salvaguardar a progressividade do sistema, dado que, sendo um benefício às famílias numerosas mas não extrapolando um determinado limite comum, garante cobrir apenas um nível de gastos implícitos na criação e educação dos dependentes que é igual para qualquer cidadão. Da mesma forma que em Portugal, note-se que este coeficiente só é usado para o apuramento da taxa, não directamente para o apuramento da matéria colectável (vide os nossos comentários na Parte II [5]).
Tal sistema de coeficiente familiar (mais do que conjugal) serve de alternativa às deduções pessoais, que não existem no sistema francês. No que toca a deduções específicas, as deduções de educação são fixas e automáticas, isto é, não operam condicionadas à apresentação de despesas, estando dependentes do grau de ensino (básico, €61; secundário, €153; ou superior, €183) em que se encontre o dependente. Existe uma dedução de 50% em despesas de infantário (para crianças com menos de 7 anos), mas limitada a um valor de €1.150. Não existe dedução de gastos de saúde.
Uma análise vantagens-desvantagens entre os dois sistemas será feita na Parte V desta série de artigos [7].
Nota:
3 comentários a “A fiscalidade e a família em Portugal — Parte IV: Apontamentos gauleses”
[…] concluir esta primeira série (Parte I, Parte II, Parte III, Parte IV já publicadas nesta coluna) de textos sobre a Fiscalidade e a Família em Portugal, primeira […]
[…] IVA para a Incidência Objectiva, isto é, para saber sobre o que está sujeito ao imposto), que, como vimos en passant nas nossas discussões sobre o IRS, é de origem francesa, tendo sido introduzido em Portugal em […]
[…] os teus cinco mais lidos são: «O Portugal da Estrada Nacional 1» [4]; «Apontamentos gauleses» [5]; e «De olhos em Madrid» [6]. Tiveste ainda o privilégio de inaugurar a primeira colecção [7] […]