Por Hélder Oliveira Coelho
Do tempo em que o método científico não passava duma longínqua sombra da imaginação dos homens, resta a aparência.
A aparência é um espectro sombrio, que tolda por completo a luz que preenche as almas sábias. O julgamento instantâneo, sem a pausa serena que a análise racional confere, conduz quase sempre a um erro; o erro na forma, ou o erro na repercussão directa do conteúdo. A tendência para ajustar o que se vê ou escuta à vivência anterior, ajustando o comportamento de resposta ao conceito que mais se aproxima ao já vivenciado é uma solução ecológica e que naturalmente garante o sucesso evolutivo.
A complexidade do equilíbrio social tem um forte garante de sucesso na resposta de sobreposição de comportamentos. Todavia, se, sob a perspectiva da evolução individual e de grupo, esta resposta pode facilitar o ajuste ao desconhecido, no plano da elevação da alma pode condicionar a mais tenebrosa involução do pensamento. Atente-se ao exemplo histórico do geocentrismo [1], como paradigma máximo do erro dos sentidos.
Se o Iluminismo [2] surge como uma solução universal, trazendo Descartes a revolução do método, o tempo conduziu paulatinamente a que a resposta ecológica da natureza se sobrelevasse ante tudo o resto. A ciência vem desde há muito a ocupar o lugar do dogma. O epíteto «cientificamente provado» materializa o pleonasmo da certeza «absoluta».
Se desta conversa parece existir apenas a correlação directa com a prática científica clássica, associada por defeito às ciências exactas, eu atrevo-me a alargá-la a todo o comportamento humano. Quantas das nossas relações pessoais não se vêem abaladas pelo juízo preliminar dum gesto mal interpretado? A sabedoria popular enuncia que uma mentira muitas vezes repetida se transforma em verdade. Tal como a Terra que centrou o Universo.
Na tentativa de minimizar o erro, as sociedades ocidentais organizaram-se segundo um sistema complexo de supervisão. As decisões do povo passaram a ser sufragadas sazonalmente; sobre estas assume relevo a lei maior de um Estado (a Constituição). A necessidade de minorar o erro para o bem comum construiu novas ciências, novos poderes, novos líderes. Na impossibilidade de nomear todos, relembro a importância da informação que surge do jornalismo, nas suas diferentes manifestações. O papel social do jornalista é, não raras vezes, maior do que o garante das Constituições. No momento em que tudo falha, a voz da denúncia quase só se pode fazer ouvir de quem tem como derradeira arma a voz. Se o jornalismo se vender ao embuste do poder, ou se comungar na primazia do engano da aparência, guilhotinamos um dos mais poderosos braços da justiça: da verdade.
A campanha negra que levou à completa degradação da escola pública, bem como a cruzada que se tem levado a cabo para arruinar o Serviço Nacional de Saúde [3], ou o assassinato moral que se inflige contra a classe médica, são três exemplos de incoerência ou até mesmo de dolo, do que tem sido a névoa do jornalismo.
A responsabilidade dos que por omissão ou por servilismo perpetuam a treva na sociedade deverá ser reclamada na hora da medição do dano causado.
3 comentários a “A aparência”
Temo que ninguém reclame nada… O jornalismo está mesmo vendido e não haverá regresso, pelo menos a curto prazo. “A escola pública e o SNS” não podem esperar muito mais… “O assassinato moral que se inflige contra a classe médica” não se corrige… Espero que haja sobreviventes saudáveis…
[…] sobre o tema, tendo classificado o jornalismo português como nebuloso, doloso e incoerente [3]. Em Setembro, era a vez do Jarrett [4] alertar para o «jornalismo do incrível» e para como […]
[…] colunistas [9] manifestámos, quanto à qualidade periclitante do jornalismo em Portugal [10, 11, 12, 13, 14, 15, 16]; e este é só mais um exemplo da displicência, da despreocupação com que as […]