Por Jarrett Walker [a]
Nos artigos anteriores [2], apontei que a substituição de autocarros por eléctricos não é, per si, uma melhoria da mobilidade. Eu disse várias vezes que este não é, necessariamente, o único critério para investimentos em transporte colectivo, mas se o leitor quiser chamar a algo de projecto de transporte colectivo, é natural que alguém pergunte se ele melhorará a mobilidade em transporte colectivo.
Contra-argumentar-se-á que o meu conceito de mobilidade deve ser muito estreito, para julgar o eléctrico dessa forma. Então, neste muito mais curto artigo, pretendo esclarecer o que quero dizer com mobilidade, para que o leitor possa julgar por si mesmo o quanto esse conceito deve relevar na consideração duma proposta de investimento em transporte colectivo.
Por mobilidade, entendo o seguinte:
Esta ferramenta de mapeamento, proveniente do excelente projecto Walk Score [3], mostra a distância que o leitor pode percorrer em 45 minutos, a partir de qualquer ponto selecionado, usando as opções de transporte colectivo de Bay Area, na Califórnia. Esta imagem, em particular, diz-me que, às nove horas, uma pessoa que se encontre no ponto seleccionado pode, em 45 minutos, deslocar-se pela maior parte de São Francisco e também, com recurso ao BART, chegar a várias zonas em volta das estações em Oakland, Berkeley e San Leandro. Experimente o leitor brincar também com a aplicação [4].
É isto que eu quero dizer com «mobilidade»: a quantos lugares se pode chegar num determinado período de tempo. A minha observação nos artigos sobre os eléctricos [2] era de que, se o leitor substituir um autocarro por um eléctrico, e não fizer outras alterações, ninguém chegará a qualquer lugar mais depressa do que com o autocarro preexistente. Por outras palavras, um tal projecto não altera em nada a área de acesso mostrada por esta ferramenta [4], para ninguém.
Agora, entre urbanistas, há uma crítica bem estabelecida à mobilidade. O Chris Smith [5] define-a bem:
Eu acho que é um erro olhar unicamente para a mobilidade, em vez do acesso. A grande vantagem (talvez o maior benefício) do eléctrico é a «viagem não realizada». Ao promover uma forma mais compacta de desenvolvimento urbano, o eléctrico permite que as pessoas possam satisfazer as suas necessidades diárias com menos viagens ou com viagens mais curtas (e viagens mais curtas são menos propensos a ser realizadas de automóvel).
O argumento é que o número de lugares a que o leitor pode chegar não importa. O que interessa é a distância que tem de percorrer para fazer as coisas que precisa de fazer. Numa cidade mais densa e melhor concebida, a necessidade de mobilidade deve diminuir, porque há mais necessidades da vida que são satisfeitas por perto. Isto é indubitavelmente verdade, e estou certo de que qualquer pessoa que tenha escolhido uma vida urbana está perfeitamente consciente disso.
Mas o leitor acha realmente plausível explicar ao público que não quer que ele usufrua de maior mobilidade em transporte colectivo, porque isso vai levá-lo a usar serviços mais distantes, quando deveria usar os mais próximos? O que eu observo em cidades progressistas, como Portland, São Francisco ou Melbourne, é que as pessoas estão a fazer escolhas que reduzem a necessidade de viajar e isso está a levar a uma melhor forma urbana; e este processo já se arrasta há, pelo menos, vinte anos. Mas as pessoas que fazem essas escolhas ainda valorizam a liberdade de viajar e usarão o transporte colectivo apenas se ele oferecer liberdade suficiente.
Um aspecto intrigante da discussão «acesso ou mobilidade» é a sugestão de que muitas das nossas deslocações são genéricas e intersubstituíveis. Muitas até são. Eu insisto em viver a menos de trezentos metros duma mercearia, duma lavandaria e de vários outros serviços, porque eu preciso deles a toda a hora e não quero que essas viagens gerem muito movimento. Mas eu vou a um ginásio que fica a cerca de 1500 m de distância, porque eu gosto mesmo dele e não gosto dos que estão mais perto. E todas as cidades onde vale a pena viver estão repletas de empresas e de actividades locais e únicas, que devem atrair clientela de toda a cidade. Muitos de nós queremos mais dessa singularidade e menos intersubstituição nas nossas cidades. Como será isso possível se os cidadãos não insistirem na liberdade de ir aonde querem (não querendo fazê-lo gratuitamente, não querendo impor custos sobre os outros, mas ainda assim exigindo a liberdade de se deslocar e de, potencialmente, comprar um carro, se o sistema de transporte colectivo não assegurar tal liberdade)?
Portanto, não é irrazoável esperar que um grande investimento em transporte colectivo seja capaz de expandir a área sombreada do mapa acima, tornando mais lugares acessíveis num determinado período de tempo. Isto é o que eu quero dizer com «mobilidade». O leitor está certo de que não importa?
Nota:
9 comentários a “O que eu quero dizer com «mobilidade»”
[…] período de tempo. Eu usei essa ferramenta como o centro da minha definição de mobilidade [5], num dos primeiros artigos desta […]
[…] novos transbordos, a um nível que poderia possivelmente reduzir o nível global de mobilidade [6] na cidade. Esse pensamento é relevante, por exemplo, nos planos de instalação de eléctricos de […]
[…] seria capaz de chegar aonde quer que fosse mais depressa do que antes [2]. Num artigo posterior [3], tentei tornar a discussão ainda mais básica, pedindo aos leitores que considerassem um mapa da […]
[…] até à Universidade da Colúmbia Britânica (UBC) resultará nalgum tipo de melhoria da mobilidade [4] para a UBC — serviço que é mais rápido, mais frequente, mais extenso ou mais fiável do que os […]
[…] vizinhos é um sistema de transporte colectivo sofisticado, com foco em resultados de mobilidade [2] e recurso à tecnologia que proporciona melhores resultados em cada corredor. Eu vejo sistemas de […]
[…] se gastem 2,8 mil milhões de dólares numa enorme rede de serviços que não melhoram a mobilidade [11] de todo. Após este enorme investimento, ninguém seria capaz de chegar aonde quer que seja mais […]
[…] vai ter impacto, dada a demografia ao longo da linha). Mas as melhorias de mobilidade [17] do projecto são perto de zero; e, para os passageiros que percorram as maiores distâncias no 35 […]
[…] — tudo coisas excelentes. Obviamente, o meu interesse profissional vai para a mobilidade [3], pelo que fui ver quem estava à frente nessa […]
[…] período de investimentos destinados a aumentar dramaticamente a mobilidade em transporte colectivo [18] (com isto refiro-me aos locais onde se pode chegar em transporte colectivo e em quanto […]